Criado por casal paraibano, Massive Madness traz protagonistas transgêneros (e uma caveira)

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O Brasil figura no topo da lista de países em que mais ocorrem assassinatos de travestis e transsexuais em todo o mundo. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), só em 2014 foram documentados 134 assassinatos de transsexuais. “Enquanto no Brasil, como um todo, os LGBT assassinados representam 1,6 de cada um milhão de habitantes, na Paraíba esse risco sobre para 4,5”, diz o último relatório anual do GGB, divulgado no início de 2015, que classifica o estado nordestino como o mais perigoso para a população LGBT. Leia o relatório aqui (contém imagens fortes).

O fato de Massive Madness, protagonizado por personagens transgêneros, estar sendo desenvolvido por um casal paraibano, só o torna ainda mais notável e emblemático. Em desenvolvimento pelo recém-formado Ninja Garage, estúdio independente criado pela ilustradora Rafaella Ryon e pelo designer Dinart Filho, Massive Madness concorre a um prêmio de R$ 20 mil no BIG Festival, que acontece entre os dias 27 de junho e 05 de julho, em São Paulo.

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“Gosto de quebrar conceitos predeterminados do que vem ser considerado feminino e masculino”, diz Ryon. Tess e Paris, as protagonistas de Massive Madness, um jogo de ação com elementos de roguelike, aos moldes de Binding of Isaac, carregam traços de ambos os gêneros.

“Nunca pensei em qual gênero os personagens nasceram, mas definitivamente, a ideia não é que eles representem um gênero, mas sim, que eles sejam o que querem ser, seja masculino, seja feminino, um pouco de cada um ou nenhum dos dois”, explica. “A ideia é desconstruir essas caixas e padrões que a sociedade impõe, quebrar a expectativa em relação à norma do que é considerado feminino e masculino.” E para os que eventualmente sentirem a falta de um personagem jogável com um gênero fixo, Ryon e Filho sabiamente criaram Calavera, uma caveirinha que dispensa qualquer tipo de rótulo sobre seu sexo.

Embora a proposta central de Massive Madness seja a diversão, seus criadores acreditam que ele pode contribuir com a visibilidade de transgêneros na sociedade. “A questão é que eles não são representados, nem nos videogames e nem fora deles”, diz Filho. “A simples presença deles, heróis trans, em um jogo ou onde quer que seja, diante de tamanha falta de representatividade, já tem uma função importante, lembrando que no nosso contexto, o simples abraço de duas pessoas do mesmo sexo numa propaganda de TV causa a divisão social que estamos testemunhando.”

Massive Madness é resultado da combinação de múltiplas ideias tidas por Ryon e Filho nos últimos anos. Sua primeira versão nasceu em 2009, na forma de um jogo de tiro on rails para arcades, cujo protótipo chegou a ser apresentado na Salex, tradicional feira de máquinas e equipamentos de diversão em São Paulo. Um acidente envolvendo a equipe de programação, Linux e monitores, contudo, fez com que dados do projeto original fossem permanentemente corrompidos, levando Ryon e Filho a abandonarem o projeto – e Filho, frustrado em lidar com a equipe de programadores, a aprender a programar por conta própria, para evitar novas dores de cabeça. “É acumular mais uma função, mas estranhamente tudo está sando de maneira eficiente desde então”, conta.

A proposta de visibilidade trans veio depois, em um projeto chamado X-Dressed to Kill, que já trazia como protagonistas as personagens Tess e Paris, as quais também fariam parte de uma webcomic. Com o passar do tempo, algumas ideias foram engavetadas, o nome do projeto original foi resgatado e as personagens foram mantidas, o que veio a se tornar o novo Massive Madness.

Na versão atual, Tess e Paris possuem um salão de beleza equipado com uma raríssima e sofisticada cadeira, importada de um país que sequer existe mais. Após uma sabotagem, a cadeira explode e suas peças são espalhadas ao redor da cidade. Tess e Paris partem, então, para recuperar os pedaços (que renderam superpoderes às criaturas que servem de chefe em cada fase) e remontar a cadeira, enquanto um programa de TV documenta a aventura em um reality show chamado The Revenge Show.

Há muito de Toejam & Earl em Massive Madness, uma inspiração assumida de Ryon e Filho. O que o jogo de 1991 da Sega fazia com os anos 90, Massive Madness faz com os 80, abraçando muito da sua estética, cultura e sonoridade – além da ideia de recuperar as peças de um objeto quebrado. Filho conta que Toejam & Earl e Golden Axe foram os jogos que o fizeram querer trabalhar com games.

Em seu primeiro contato com o jogo, aos 11 anos, “Achei aquilo fora do padrão, genial, absurdo e sem precedentes, opinião que conservo até hoje.” Em 2009, em um leilão japonês, Filho conseguiu adquirir uma cópia original do jogo que o inspirou, e desde então mantém contato com seu criador, Greg Johnson – que, inclusive, obteve sucesso recentemente em uma campanha de financiamento coletivo para um quarto jogo da série. Johnson também tem dado um valioso feedback à dupla para o desenvolvimento de Massive Madness.

A Ninja Garage ainda não tem uma data específica para o lançamento de Massive Madness, mas diz que seu jogo ficará pronto em algum momento de 2016. Criado em Unity, engine que facilita a conversão para diversas plataformas, a dupla pretende lançá-lo para computadores e consoles, mas inicialmente, seu lançamento ocorrerá para WindowsMac e Linux.