Dandara é um belo metroidvania brasileiro criado especialmente para telas de toque

Plataformas mobile ainda não são bem vistas para experiências tradicionais de consoles devido as limitações de sua interface. Controles virtuais, que transformam a própria tela de um smartphone ou tablet em um gamepad, são incapazes de oferecer a precisão dos controles táteis. Por isso mesmo, parece haver cada vez menos tentativas de replicar mecânicas clássicas de jogos de ação, aventura e exploração 2D nestas plataformas.

Dandara é um esforço do estúdio mineiro Long Hat House, de Belo Horizonte, formado por João Brant e Lucas Mattos, de oferecer a experiência de um metroidvania (subgênero amplamente baseado na navegação de espaços 2D), em telas de toque, com um sistema de controle que contorna a barreira da interface. Isso porque a personagem que dá nome ao título se movimenta lançando-se em direção às superfícies dos cenários (sejam elas chão, teto ou paredes), bastando toques simples — nada de direcionais ou botões de ação.

Mas os controles inteligentes e suaves de Dandara não são as únicas qualidades que se destacam. Além do charmoso visual 2D, fortemente influenciado pela estética 16-bit, criado pelo Victor Leão, e da trilha sonora assinada por Thommaz Kauffmann, ambos envolvidos na produção de Moïra, Dandara chama a atenção por sua protagonista.

Brant me conta que muita coisa aconteceu até que eles chegassem à personagem que possuem hoje, inspirada na figura histórica Dandara dos Palmares, que habitou a região de Alagoas durante o século XVII e lutou contra a escravidão de seu povo.

“No início, quando começamos a desenvolver o jogo, cogitamos tratar sobre a escravidão no Brasil, e a Dandara dos Palmares era uma das nossas principais referências para a protagonista”, diz. “Mas percebemos que não tínhamos a proximidade necessária para tocar em um assunto tão complexo e delicado. Ainda acredito que dê para fazer um belíssimo jogo sobre o tema, mas é algo que está muito distante da realidade de dois homens brancos formados em Ciência da Computação — história e sociologia, por exemplo, não são nosso forte, muito menos o entendimento sobre o preconceito e da dor sofrida pelos negros. Além disso, não somos escritores, e sempre preferimos focar nossos jogos nas mecânicas e sistemas. Tentar desenvolver agora um jogo guiado por história, escrito por nós, sem experiência, seria um grande erro.”

Apesar da dupla optar por se distanciar da história da escravidão no Brasil, os temas centrais, como a luta pela liberdade, ainda estão presentes na trama que eles criaram para o jogo, bem como a figura mística de Dandara, de uma destemida guerreira, que busca libertar seu povo em Sal, um mundo oprimido pelo tirano Eldar e seu exército.

dandara.gif

“Nossa principal referência no inicio do projeto, a Dandara dos Palmares, se encaixou muito bem nesse contexto. Portanto, ela veio como inspiração artística, de personalidade, e nos trouxe o nome Dandara. Mas é importante ficar claro que a Dandara do jogo não representa a Dandara dos Palmares, ou que sua história busca recriar ou se relacionar com os fatos históricos do Quilombo dos Palmares.” Talvez o fato de a personagem ostentar um belo black power deixe claro que a equipe está tomando uma grande dose de liberdades artísticas.

Além dos cenários esconderem powerups que aumentam a vida e melhoram outras habilidades da personagem, Dandara pode encontrar novas armas, que mudam as dinâmicas das batalhas e oferecem novas possibilidades de interação com os cenários. “Ainda estamos estudando algumas formas de evolução dentro do jogo que podem alterar a maneira como a Dandara se movimenta e os locais que ela pode alcançar”, conta Brant.

A lei da gravidade não se aplica em Sal, o mundo criado pela Long Hat. Assim, sem distinção de superfícies, seus habitantes o construíram para todas as direções, horizontal e verticalmente. Neste mundo surreal de plataformas móveis e giratórias, Dandara conhece personagens estranhos, enfrenta figuras autoritárias e militares e, nas mãos de jogadores habilidosos, zapeia pelos cenários em alta velocidade, de plano em plano. Há também momentos de descanso, em acampamentos que representam checkpoints. Bem como em Dark Souls, recuperar a energia, contudo, traz de volta os inimigos já eliminados ao cenário.

A dupla tem a intenção de adaptar o jogo para consoles e PC, mas reconhece que, da maneira como está sendo construído, ainda faz mais sentido no mobile. “Estamos estudando como portar os controles para o console ou PC, mas como a jogabilidade é diferente do usual, e muito focada na touchscreen, tem exigido bastante criatividade e ainda não achamos uma alternativa válida”, explica Brant. “Por enquanto o jogo está jogável no controle, mas perde muito do charme e da precisão, então não podemos prometer nada ainda.”

“A facilidade de publicar para celular e a falta de burocracia tornam o mobile uma boa porta de entrada para a indústria de jogos. Buscamos sim, no futuro, conseguir desenvolver pra consoles, mas achamos que começar com o mobile parece o degrau mais lógico a seguir.”

Sem nenhum tipo de financiamento para produzir Dandara, a dupla está cobrindo os custos com os rendimentos de Magenta Arcade, seu primeiro jogo, lançado em 2015 — um charmoso shoot ‘em up com pegada arcade que, tal como Dandara, adapta uma experiência tradicional de consoles para as telas de toque de forma criativa.

A indicação do jogo à categoria Melhor Jogo Brasileiro no BIG Festival 2016 pode render à equipe um prêmio de R$ 15 mil, mas a concorrência é pesada: figuram na mesma lista Horizon Chase, da Aquiris Game Studio e Skytorn, em desenvolvimento pelos criadores de Towerfall. No ano passado, a Long Hat House concorreu na categoria Revelação Nacional com seu Magenta Arcade, mas acabou perdendo para Toren, da Swordtales.

Dandara ainda não possui previsão de lançamento, mas sua versão alpha estará disponível ao público no BIG.