Antes de amar Sundered, eu o odiei profundamente

Por baixo da dura casca de Sundered, formada por seu grau de dificuldade elevado, há coisas maravilhosas. O novo jogo do estúdio canadense Thunder Lotus (de Jotun) é uma abordagem um tanto elástica do tão corriqueiro metroidvania. Além de não pegar o jogador pela mão, permitindo que ele progrida, enfrente os chefes e obtenha habilidades na ordem que bem entender, Sundered o provoca com um dilema: cada novo movimento conquistado pode ser melhorado, desde que ele entregue uma parte de sua humanidade. Outra óbvia qualidade são seus majestosos cenários semi-abstratos, gerados proceduralmente, e suas magníficas animações feitas à mão.

Mas muita gente está parando na superfície e abandonando Sundered antes sequer de ver o que há de mais incrível nele. Eu mesmo, em minhas primeiras cinco horas de jogo, me peguei questionando se tamanha frustração estava valendo a pena. Depois de dedicar quase 20 horas para terminar sua campanha, eu posso dizer com certeza que sim, o esforço compensa. Isso não elimina o fato de que eu passei uma boa parte do tempo detestando-o profundamente.

De certa forma, a experiência proporcionada por ele foi similar a primeira vez que joguei um jogo da série Souls. Sua dificuldade elevada e a falta de clareza de suas mecânicas e narrativa desencorajam o jogador, especialmente quando as mortes constantes causam uma sensação de impotência e parecem anular seu progresso. Esse sentimento eventualmente é substituído por outros mais gratificantes, mas até lá, você precisa ser persistente.

Embora a equipe da Thunder Lotus assuma seu gosto pela série Souls, Sundered não carrega praticamente nenhuma de suas mecânicas. Em termos de gênero, podemos defini-lo como um metroidvania roguelike hack ‘n slash (me sinto até um pouco sujo depois dessa definição). Basicamente, o jogo consiste em explorar cenários em busca de habilidades e outros objetivos, até que você eventualmente seja sobrepujado por uma horda de inimigos ou chefe, morra e volte para o hub inicial, onde você pode melhorar seus atributos e adquirir novas vantagens, para então começar tudo de novo. Não há checkpoints (mas sim atalhos) e a ideia é que você realize o que tem que fazer numa só tacada.

Mas uma das coisas que torna Sundered tão bom é também o que está afastando muita gente: seu sistema de hordas. Conforme navegamos em seus cenários sombrios, de clima inquietante, alarmes aleatórios anunciam a chegada de inimigos em grandes quantidades, que invadem o local em que você se encontra de todas as direções, alguns atravessando paredes, formando uma massa de criaturas horrendas. Dependendo de sua habilidade com os diferentes movimentos da protagonista Eshe (uma mulher negra, vale destacar) e seus atributos, é possível escapar ou derrotar os inimigos, mas durante as primeiras horas de jogo, o mais provável é que você seja rapidamente incapacitado e engolido por eles. As telas de loading, que mostram dicas e mensagens aleatórias, às vezes te lembram que “morrer é só começo”.

Muitos jogadores estão classificando a mecânica como injusta, alegando que ela causa mortes instantâneas das quais é possível escapar — o que é tecnicamente verdadeiro no começo do jogo. Ou era. No Steam, as reclamações se tornaram tão frequentes que começaram a preocupar a Thunder Lotus: além de resultarem em avaliações negativas, que poderiam empurrar o jogo para a temida classificação “mixed” (neutras, em português), jogadores frustrados passaram a pedir reembolso, dado que a plataforma dá aos usuários esse direito, desde que não ultrapassem duas horas de jogo — ou seja, quando o título ainda parece brincar com a paciência dos jogadores.

Assim, três dias após seu lançamento (que aconteceu em 28 de julho), a Thunder Lotus fez uma pequena modificação para facilitar a vida dos recém-chegados: quando o jogador é atingido, o jogo limita a quantidade de dano que seu personagem pode receber durante um curto intervalo de tempo, dando a ele chance de fugir antes de ser massacrado.

Em resposta ao Overloadr, Will Dubé, presidente e diretor criativo da Thunder Lotus, afirmou que o jogo foi lançado como a equipe desejava, mas que mais testes com jogadores novos (e não necessariamente os apoiadores da campanha do jogo no Kickstarter) poderiam ter evitado o problema – se é que podemos classificá-lo como um. “Nosso erro foi não testar o suficiente com novos jogadores. Fizemos algumas mudanças que pareciam inofensivas mas que acabaram causando problemas maiores, que agora foram corrigidos.”

O sistema de horda preenche a tela de inimigos, o que costuma ser a razão para suas mortes

O sistema de horda preenche a tela de inimigos, o que costuma ser a razão para suas mortes

Embora a dificuldade elevada faça parte da experiência de Sundered, ela se tornou um empecilho quando, em vez de desafiar os jogadores, ela estava afugentando-os. Com os pequenos ajustes, a equipe espera minimizar esse efeito. “Até agora, adicionamos um amortecedor de dano que reduz os picos de dificuldade das hordas, além de ajustá-las para acomodar novos jogadores. Isso não deve causar muito impacto no meio ou no final do jogo, então jogadores que gostam de um desafio não devem ser preocupar,” diz Dubé.

Talvez o maior problema de Sundered seja não comunicar de forma eficiente algumas de suas principais características. Com exceção das ocasionais dicas durante as telas de carregamento, em nenhum momento ele reforça o quão importante é se esquivar dos ataques inimigos e saber a hora certa de recuar. Da mesma forma, ele deixa para o jogador descobrir sozinho a ideia de corrupção de habilidades, a qual ele só vai entender depois de já ter corrompido duas ou três delas, algo que não pode ser revertido e determina qual será o desfecho de seu jogo.

Essa obtusidade claramente vinda da série Souls parece funcionar como uma faca de dois gumes: se, por um lado, ela instiga o jogador a querer desvendar suas mecânicas e compreender seu universo, como se o jogo em si fosse um quebra-cabeça, por outro, ela pode frustrar, justamente por causar a sensação de que o jogo está induzindo-o a jogar de forma errada, tendo o fracasso constante uma consequência disso.

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É ótimo que um jogo não subestime a inteligência e sensibilidade do jogador para aprender e melhorar, mas, ao mesmo tempo, nada vai eliminar o fato de que eu passei horas preciosas ativamente odiando Sundered, por mais que eu o considere um jogo maravilhoso, agora que já o terminei uma vez.

Curiosamente, em minha segunda playthrough, já sabendo como que ele quer que eu jogue, não senti dificuldade alguma em enfrentar as primeiras hordas, encontrar meu caminho pelos cenários labirínticos ou aniquilar o primeiro sub-chefe – o que, possivelmente, também é efeito da atualização feita pela Thunder Lotus.

Basicamente, agora que tenho a informação para compreender seus sistemas e a experiência para superar seus desafios, Sundered parece mais justo, o que me impele a jogá-lo inteiramente de novo, desta vez sem corromper as habilidades, o que o tornará ainda mais difícil. A diferença aqui é que, em vez de culpar o jogo pelo meu fracasso, culparei a mim mesmo.